Suicídio - Abordagem e Manejo

O comportamento suicida é hoje uma grave questão de saúde pública em todo o mundo. O conhecimento do tema, de forma a permitir sua identificação e abordagem é fundamental para garantir detecção precoce e acompanhamento apropriado, sendo um passo importante na prevenção do suicídio. Cerca de 800 mil pessoas cometem suicídio todos os anos no mundo, no Brasil há cerca de 12 mil casos por ano, com taxas que variam de 3,9 a 4,5 casos para cada 100 mil habitantes. Na faixa etária de 15 a 35 anos o suicídio está entre as três maiores causas de morte.

A intenção suicida inicia, em geral, com a contemplação da idéia suicida. Posteriormente, há a criação de ensaios mentais, que envolvem o planejamento do ato, até, finalmente, culminar numa tentativa destrutiva concreta. Existem três características fundamentais, que se encontram na maioria das pessoas sob risco de suicídio:

  1. Ambivalência: um conflito permanente do desejo de viver com o desejo de morte. Muitas dessas pessoas estão com problemas em suas vidas e lutam internamente com sentimentos confusos de escapar do sofrimento que sentem através da morte e ao mesmo tempo de viver. O amparo emocional adequado pode fortalecer o desejo de vida, diminuindo o risco de suicídio.
  2. Impulsividade: muitas vezes o suicídio é um ato de impulso, um desejo intenso que pode ser transitório, durando de minutos a horas. Passado o momento de impulsividade, normalmente desencadeado por eventos estressores, o risco de suicidio diminui. Dificultar o acesso aos meios para a concretização do suicídio configura um papel importante na prevenção do ato, já que a dificuldade em cometé-lo pode dar o tempo necessário para que o impulso em sua fase mais intensa passe, e o desejo de vida se fortaleça.
  3. Rigidez: para quem apresenta comportamento suicida é frequente um estado de constrição cognitiva, uma rigidez mental que o faz pensar em termos extremos, pensando fixamente no suicídio como a única solução, não sendo capaz de perceber outras maneiras para lidar com os problemas atuais de sua vida. Este estreitamento da compreensão da vida muitas vezes é percebido em pensamentos como: “Nada pode ser feito”; “A única alternativa possível é a morte”; “Ninguém pode me ajudar”.

Ao contrário da crença popular de que as pessoas com intenção suicida não comentam a respeito, a maioria das pessoas com idéias de morte comunicam seus pensamentos e desejos. É frequente comentários sobre o estado de desesperança que vivem, o desejo de por um fim nos problemas e de querer morrer. Estas são frases de alerta, pedidos de ajuda que devem ser ouvidos e que permitem o reconhecimento do problema. São sentimentos frequentes de pessoas que podem estar pensando em suicídio os quatro “Ds”: depressão, desesperança, desamparo e desespero. Ao notar que alguém está passando por esses sentimentos é necessário investigar com atenção o risco de suicídio. Atitudes como dizer a pessoa que expressa seu sofrimento psíquico e seu desejo de morrer que seus problemas são pequenos perto daqueles sofridos por outras pessoas não a ajudam, podendo dificultar ainda mais que ela se expresse a respeito de seus sentimentos e procure ajuda.

A ATENÇÃO PRIMÁRIA E O CUIDADO A PESSOA COM RISCO PARA O SUICÍDIO

 A equipe de atenção primária tem um contato próximo da comunidade, sendo em geral bem aceita pela população local e é, frequentemente, o profissional da atenção primária o primeiro a ter contato com a pessoa sob risco de suicídio. O reconhecimento precoce do risco, e seu manejo adequado são essenciais para a prevenção do suicídio. Além disso, a proximidade da unidade de atenção básica da comunidade permite uma melhor compreesão da pessoa como um todo, bem como facilita a criação de laços de apoio social entre familiares, amigos e organizações locais, que auxiliem no cuidado. A atenção primária é também uma porta de entrada para outros serviços de saúde que sejam necessários.

FATORES DE RISCO

A presença de transtornos mentais é um importante fator de risco, havendo uma associação na maioria dos casos de suicídio com uma doença psiquiátrica. Os principais transtornos mentais associados são: transtornos do humor (ex.: depressão e transtorno do humor bipolar), transtornos decorrentes do uso de substâncias psicoativas (ex.: alcoolismo), transtornos de personalidade, esquizofrenia e transtornos de ansiedade. O correto diagnóstico e tratamento destes transtornos é essencial na prevenção do comportamento suicida. São ainda fatores de risco:

  • Tentativa anterior de suicídio
  • Sexo masculino
  • Faixas etárias entre 15 e 35 anos e acima de 75 anos
  • Isolamento social
  • Migrantes
  • Solteiros ou separados
  • Desemprego (sobretudo se perda recente do emprego)
  • Residência em área urbana
  • Dinâmica familiar conturbada
  • Perdas recentes de pessoas próximas
  • Condições clínicas incapacitantes
  • Lesões desconfigurantes
  • Dor crônica

Dentre os mencionados, a presença de um transtorno mental, as situações de fragilidade de laços afetivos sociais e história prévia de tentativa de suicídio são os fatores de risco mais importantes.

COMO ABORDAR O PACIENTE

Abordar o problema com franqueza é a melhor maneira de descobrir se uma pessoa tem pensamentos de suicídio. Falar a respeito do suicídio não incentiva as pessoas a cometê-lo, ao contrário, cria uma oportunidade de expressão pessoal. Falar sobre o sofrimento psíquico auxilia aquele que sofre a compreender seus próprios sentimentos, e cria um importante laço com aquele que o escuta. Para facilitar a conversa pode ser útil ao profissional de saúde abordar o tópico gradualmente, questionando sobre como o paciente tem se sentido ultimamente e acerca dos problemas que ele está enfrentando em sua vida. Com isso cria-se um vínculo progressivamente maior de confiança e acolhimento. Algumas questões que podem ser úteis são:

  • Você se sente triste?
  • Você se sente sozinho?
  • Você sente que a vida não vale mais a pena?
  • Já pensou que seria melhor estar morto ou tem vontade de morrer?

Respeitar sua condição emocional, ouvir com calma e empatia, sem apressar a conversa e evitando julgamentos morais facilitam a entrevista.

É importante ainda quantificar o risco de suicídio, o que pode ser feito perguntando-se sobre a existência de um plano para tal e os meios que pensa em empregar. As perguntas seguintes auxiliam a quantificar o risco:

  • Você tem um plano para acabar com sua vida?
  • Você já escreveu cartas de despedida ou tomou providências para seus bens após sua morte?
  • Você tem uma idéia de como vai fazê-lo?
  • Você tem acesso a pílulas, armas ou outros meios?
  • Quando você está planejando fazê-lo?

Uma abordagem calma, de aceitação, é fundamental para o estabelecimento de uma aliança terapêutica, e a negociação de uma estratégia de tratamento. Deve-se evitar ficar excessivamente emocionado, emitir julgamentos pessoais ou tentar diminuir os problemas do paciente, dizendo que se trata de algo passageiro ou de pouca importância.

CLASSIFICAÇÃO DO RISCO DE SUICÍDIO

  • Baixo Risco

A pessoa teve pensamentos suicidas, como “eu preferiria morrer”, mas não fez nenhum plano.

Aqui é necessário oferecer apoio emocional, trabalhando seus sentimentos. Pode-se solicitar a ajuda de um profissional capacitado na equipe para abordar o indivíduo em sofrimento psíquico. Se você não conseguir identificar uma condição tratável ou não houver sinal de melhora, encaminhe-o para um profissional de saúde mental. Pelo menos até que a pessoa sob risco de suicídio receba tratamento adequado encontre-a em intervalos regulares e mantenha contato externo.

  • Médio Risco

A pessoa tem pensamentos e planos, mas não tem planos de cometer suicídio imediatamente.

Nestes casos é essencial a criação de um contrato, negocie um plano de tratamento, e uma agenda de visitas ao serviço de saúde. Utilize a força do vínculo existente entre você e o paciente para conseguir uma promessa de que ele não cometerá suicídio por um tempo determinado e de que se sentir um impulso muito forte irá imediamente comunicar seus familiares e amigos e procurar ajuda, indo até uma unidade de saúde. O objetivo é ganhar tempo para que as medidas tomadas tenham resultado ou para que se consiga ajuda especializada.

Nos pacientes com médio risco é importante o encaminhamento para um serviço de saúde mental. Agende a consulta o mais breve possível, e reforce a data entrando em contato com o serviço onde o paciente será encaminhado.

Entre em contato com a família e amigos, pedindo autorização ao paciente para fazer esse contato, e deixe-o ciente sobre quais informações serão compartilhadas. Oriente sobre medidas de prevenção ao suicídio que poderão ser realizadas por amigos e familiares, como dificultar acesso a meios, retirando armas e medicamentos das proximidades e estando sempre próximo ao paciente. Esclareça que tudo será temporário, até a melhora e a diminuição do risco.

  • Alto Risco

A pessoa tem um plano definido e planeja fazê-lo imediatamente.

É necessário que a pessoa não fique sozinha. Deve-se afastá-la de medicamentos, armas, produtos de limpeza ou outros meios que possam ser empregados para cometer o suicídio. Se possível encaminhe-a para avaliação imediata de um psiquiatra. Se no local não há psiquiatra acessível deve-se entrar em contato com um serviço de emergência e solicitar o transporte adequado. Assegure o paciente que você está do lado dele, e que essas medidas são para protegê-lo de um perigo imediato. Se possível contate o serviço para onde está sendo feito o encaminhamento explicando sua percepção do caso. Mesmo num ambiente hospitalar é importante manter a vigilância, já que a pessoa poderá usar os meios disponíveis para uma tentativa de suicídio. Após a resolução do quadro imediato, mantenha o contato com o paciente, e fortaleça o vínculo existente.

Nos casos onde não há colaboração do paciente ou onde não é possível convencê-lo da necessidade dessas medidas peça ajuda de familiares e amigos, mesmo que a permissão não seja dada, pois uma internação involuntária poderá ser necessária. Procure, dentro do possível, preservar o sigilo do paciente, respeitando sempre sua dignidade. Fique atento também as necessidades dos que se propuseram a ajudar.

ENCAMINHANDO O PACIENTE COM RISCO DE SUICÍDIO

A avaliação de uma equipe de saúde mental é essencial nos casos onde há associação da ideação suicida com um transtorno mental. Casos com fatores de risco importantes, como história prévia de suicídio ou onde não há apoio social também devem ser encaminhados. Além destes, pacientes de médio ou alto risco sempre devem ser acompanhados por um serviço especializado. O encaminhamento deve ser feito de forma responsável, se possível sem grandes demoras. Esclareça ao paciente a necessidade do encaminhamento, e que você permanecerá atento ao seu caso, ajudando no que for possível e mantendo contato periódico.

REFERÊNCIAS

ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DE SAÚDE (OMS). Prevenção do suicídio: um manual para profissionais da saúde em atenção primária. Genebra: OMS, 2000.

BRASIL. MINISTÉRIO DA SAÚDE. Prevenção do suicídio: manual dirigido a profissionais das equipes de saúde mental. Brasília: MS, sd