Classificações em psiquiatria

 

Os sistemas de classificação de transtornos mentais mais utilizados na literatura médica e científica são a Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde (CID, 10ª edição) da Organização Mundial da Saúde (OMS) e o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-5, 5ª edição) da Associação Psiquiátrica Americana.

Apesar disso, não devem ser vistos como um compêndio de psiquiatria e não devem ser consultados como a única fonte de conhecimento da especialidade.

Ao listar os sintomas, as classificações buscam auxiliar o reconhecimento dos transtornos mentais, mas não se prestam a substituir a abrangência do diagnóstico clínico, que resulta, acima de tudo, do conhecimento científico, da intuição, da percepção e do feeling, que surge desta relação única que se estabelece entre o profissional e o seu paciente.

Desta forma, ambos os sistemas diagnósticos – DSM-5 e CID-10 – são nosográficos e têm por objetivo listar e classificar os transtornos mentais, mas não substituem o exercício da clínica. Sua consulta e uso adequado são de suma importância para os profissionais que atuam na área da saúde mental.

 

Um pouco de história...

Na Grécia antiga, desde o século 5 a.C., Hipócrates buscou estabelecer um sistema de classificação para as doenças mentais. Já eram usadas palavras como histeria, mania e melancolia. Ao longo dos próximos séculos, outros termos foram sendo incorporados, como, por exemplo: loucura circular, catatonia, hebefrenia, paranóia, etc.

Estudos de Emil Kraepelin (1856-1926): deram origem ao primeiro sistema de classificação abrangente e de cunho verdadeiramente científico. Reuniu diversos distúrbios mentais sob a denominação de demência precoce – posteriormente chamada de esquizofrenia por Bleuler –, ao lado de outros transtornos psicóticos, separando-os do quadro clínico da psicose maníaco-depressiva.

1895: Freud, quase ao mesmo tempo, destacava da neurastenia uma síndrome, denominada neurose de angústia, que passou a ser classificada e estudada juntamente com outros tipos de neurose: hipocondríaca, histérica, fóbica e obsessivo-compulsiva.

Já nos EUA, as primeiras classificações de transtornos mentais aplicadas em larga escala, tinham objetivo primordialmente estatístico.

1840: com o objetivo de registrar a prevalência dos transtornos mentais, os EUA incluíram a categoria “idiotia/loucura” em censo realizado no ano.

1880: no censo do referido ano, as doenças mentais foram divididas em sete categorias: mania, melancolia, monomania, paresia, demência, dipsomania e epilepsia.

Início do século XX: foi desenvolvida pelo Exército norte-americano e Associação de Veteranos, uma categorizações para aplicação nos ambulatórios que prestavam atendimento a ex-combatentes.

1952: publicada a primeira edição do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM) pela Associação Psiquiátrica Americana (APA), sendo o primeiro manual de transtornos mentais focado na aplicação clínica. O DSM-I possuía um glossário com a descrição clínica de cada categoria diagnóstica e uma lista de diagnósticos categorizados.

1968: publicado o DSM-II, que trouxe discretas alterações em relação ao DSM-I.

1980: publicado o DSM-III, o mais revolucionário de todos e que tornou-se um marco na história da psiquiatria moderna, trazendo importantes modificações metodológicas e estruturais. Sua publicação representou um importante avanço em termos do diagnóstico de transtornos mentais, com um enfoque mais descritivo e critérios explícitos de diagnóstico organizados em um sistema multiaxial, objetivando oferecer ferramentas para clínicos e pesquisadores, além de facilitar a coleta de dados estatísticos.

1987: publicado o DSM-III-R, após serem realizadas revisões e correções sobre o DSM-III.

1994: publicado o DSM-IV, secundário à proliferação de pesquisas, revisões bibliográficas e testes de campo. A evolução do manual representava um aumento significativo de dados, com a inclusão de diversos novos diagnósticos descritos com critérios mais claros e precisos.

2000: publicado o DSM-IV-TR, uma revisão do DSM-IV, formalmente utilizado até o início de 2013.

2013: publicado o DSM-5, resultado de um processo de doze anos de estudos, revisões e pesquisas de campo realizados por centenas de profissionais divididos em diferentes grupos de trabalho. O objetivo final foi o de garantir que a nova classificação, com a inclusão, reformulação e exclusão de diagnósticos, fornecesse uma fonte segura e cientificamente embasada para aplicação em pesquisa e na prática clínica. Em seu aspecto estrutural, o DSM-5 não mais apresenta o modelo multiaxial introduzido no DSM-III.

Em 29 de Abril de 2013, duas semanas antes do lançamento do DSM-5, o National Institute of Mental Health (NIMH) anunciou que não irá mais financiar o DSM, e que esta será a sua última versão. Existe em vigência um projeto intitulado NIMH's Research Domain Criteria (RDoC), que surge como uma tentativa de criar um novo tipo de taxonomia para transtornos mentais, trazendo o poder de abordagens modernas de pesquisa em genética, neurociência e ciência comportamental para explicar/diagnosticas o transtorno mental. Porém, é um projeto para longo prazo, já que se levarão anos para cumprir a promessa que este esforço de pesquisa representa, de transformar o diagnóstico e o tratamento de transtornos mentais.

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Críticas ao DSM:

Houve sempre debate em torno das categorias de classificação propostas e grande polêmica em relação ao uso do DSM.

- Por se tratar de um acordo sobre sintomas clínicos, o que é valorizado ou não como sintoma clínico, assim como a obtenção de um consenso, resulta de apreciações que ocorrem num dado contexto histórico nas suas dimensões sociais, políticas e culturais.

- Observa-se a patologização de aspectos da vida quotidiana, como pode-se encontrar no DSM-5: a inclusão do luto como transtorno depressivo, ou do esquecimento próprio da terceira idade como transtorno neurocognitivo menor, ou das preocupações do dia-a-dia como perturbação de ansiedade ou, ainda, a inclusão do uso intensivo de internet ou do sexo com muita frequência como novas adições comportamentais.

- Fragmentação dos quadros clínicos dos transtornos mentais. Assim, muitos pacientes precisam receber simultaneamente inúmeros diagnósticos, já que os sintomas ultrapassam os limites rígidos, propostos pelo manual.

- O profissional que irá utilizá-lo deve ser cauteloso e lançar mão de conhecimentos teóricos de psicologia, psicopatologia e psiquiatria, do treinamento adequado e da experiência acumulada ao longo dos anos de exercício da profissão. O DSM-IV não deve ser usado como uma lista infalível, que, sendo preenchida, fornece automaticamente um diagnóstico psiquiátrico. Em mãos inexperientes, os resultados são desastrosos. Muitos sintomas são superpostos a diversos quadros clínicos, e a decisão de sua origem, ou de qual estado eles fazem parte, deriva exclusivamente de um julgamento clínico.

Vantagens do uso do DSM:

- Ao padronizar a linguagem psiquiátrica, viabiliza a comunicação entre os profissionais e facilita o diálogo entre as diferentes áreas.

- Permite obter informações importantes sobre indivíduos diagnosticados com determinado transtorno mental.

- É possível inferir que pacientes com o mesmo transtorno, dividindo traços semelhantes, possam apresentar comportamentos semelhantes.

- Serve como incentivo à pesquisa.

 

REFERÊNCIAS:

 

ARAUJO, Álvaro Cabral; LOTUFO NETO, Francisco. A nova classificação Americana para os Transtornos Mentais: o DSM-5. Rev. bras. ter. comport. cogn., São Paulo , v. 16, n. 1, p. 67-82, abr. 2014.

MATOS, Evandro G.; MATOS, Thania M. G.; MATOS, Gustavo M. G. A importância e as limitações do uso do DSM-IV na prática clínica. Rev Psiquiatr RS, v. 27, n. 3, p. 312-318, set/dez 2005.

TEIXEIRA, Pedro M.. DSM I, II, III, IV, 5 (1952 - 2013). Rev Port Med Geral Fam, Lisboa , v. 31, n. 3, p. 164-165, jun. 2015 .