Saúde mental na atenção primária

O Conselho Nacional de Secretários de Saúde (CONASS, 2004) define Atenção Primária como:

(...) conjunto de intervenções de saúde no âmbito individual e coletivo que envolve: promoção, prevenção, diagnóstico, tratamento e reabilitação. É desenvolvida por meio do exercício de práticas gerenciais e sanitárias, democráticas e participativas, sob a forma de trabalho em equipe, dirigidas a populações de territórios bem delimitadas, das quais assumem responsabilidade (...). É o contato preferencial dos usuários com o sistema de saúde. Orienta-se pelos princípios da universalidade, acessibilidade (ao sistema), continuidade, integralidade, responsabilização, humanização, vínculo, equidade e participação social. A atenção primária deve considerar o sujeito em sua singularidade, complexidade, integralidade e inserção sociocultural, e buscar a promoção de sua saúde, a prevenção e tratamento das doenças e a redução dos danos ou sofrimentos que possam estar comprometendo suas possibilidades de viver de modo saudável.

A Atenção Primária tem como um de seus princípios possibilitar o primeiro acesso das pessoas ao sistema de Saúde, o que inclue aqueles que demandam um cuidado em saúde mental. As ações da atenção primária dão-se em territórios geograficamente definidos, o que permite uma maior proximidade entre os usuários e a equipe assistencial. A proximidade da comunidade, bem como seu caráter como porta-de-entrada do sistema de Saúde, faz com que os profissionais da atenção primária tenham um contato frequente com pacientes em situação de sofrimento psíquico.

A Atenção Primária considera o sujeito em sua singularidade e inserção sociocultural, buscando produzir a atenção integral. Para isso ela deve contribuir para o funcionamento das Redes de Atenção à Saúde, sendo resolutiva, identificando riscos, necessidades e demandas de Saúde, produzindo intervenções clínicas e sanitárias efeitivas, e organizando o fluxo de usuários entre os pontos de atenção das Redes de Atenção à Saúde.

 

NÚCLEOS DE APOIO À SAÚDE DA FAMÍLIA

Os Núcles de Apoio à Saúde da Família (NASF) foram criados com o objetivo de apoiar a Atenção Primária em sua consolidação, ampliando a oferta de saúde na rede de serviços e a abrangência e escopo das ações desenvolvidas, bem como sua resolutividade. Os NASF são compostos por equipes multiprofissionais, que atuam de maneira integrada à Atenção Primária, realizando discussões de casos, atendimento compartilhado entre profissionais, e permitindo uma construção conjunta de projetos terapêuticos e de intervenção, dessa forma ampliando e qualificando as intervenções desenvolvidas num território.

 

POLÍTICA NACIONAL DE SAÚDE MENTAL

A política nacional de saúde mental brasileira é o resultado dos esforços de usuários, familiares e trabalhadores da Saúde, que se empenharam no movimento da Reforma Psiquiátrica, que teve como marco institucional a 8ª Conferência Nacional de Saúde, realizada em 1986 e da consolidação do SUS no decorrer da década de 1990.

Buscou-se a partir de então a criação de um modelo de saúde mental que considera uma concepção ampliada do processo saúde-doença, indo além do modelo biomédico vigente, que excluia as dimensões histórico-sociais do adoecimento. Para tanto passou a se organizar a partir da descentralização, regionalização e com aumento do controle social, aproximando os serviços de saúde dos usuários do sistema de saúde, respeitando especificidades e atendendo demandas loco-regionais, em oposição ao modelo hospitalar-manicomial anteriormente empregado. Os hospitais psiquiátricos passaram a dar lugar a serviços diversificados de cuidado em saúde mental, tanto longitudinal quanto intensivo para os períodos de crise e a atenção aos portadores de transtornos mentais passou a ter como objetivo o exercício pleno de sua cidadania, e não somente o controle de seus sintomas.

No final de 2011, orientado pela lógica da regionalização da assistência em saúde, foi instituída, pela Portaria 3088, a Rede de Atenção Psicossocial, RAPS. A RAPS é uma rede de saúde mental integrada, articulada e efetiva nos diferentes pontos de atenção para atender as pessoas em sofrimento e com demandas decorrentes de transtornos mentais, consumo de álcool ou outras drogas. A RAPS atua na perspectiva territorial, enfatizando os serviços com base comunitária, sendo capaz de se adequar às necessidades dos usúarios e familiares que utilizam o serviço.

No contexto da RAPS os Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) assumem especial relevância, configurando-se como elemento essencial na reversão de uma atenção à saúde hospitalocêntrica e voltada para a resolução curativa de agravos. Os CAPS são serviços comunitários ambulatoriais nos quais os pacientes podem receber consultas médicas, atendimentos terapêuticos individuais, participar de grupos terapêuticos, atividades lúdicas e recreativas e receber atenção psicossocial individualizada de acordo com suas necessidades. Aos CAPS compete também inteirar-se de questões de ordem social presentes no cotidiano de seus usuários e iniciativas voltadas aos seus familiares. Constituem também a RAPS os Serviços Residenciais Terapêuticos, os Centros de Convivência (Cecos), as Enfermarias de Saúde Mental em hospitais gerais, as oficinas de geração de renda, entre outros, e as Unidades Básicas de Saúde cumprem também uma importante função na composição dessa rede comunitária de assistência em saúde mental.

 

O CUIDADO EM SAÚDE MENTAL NA ATENÇÃO PRIMÁRIA

É um desafio muito grande atender pessoas com demandas em saúde mental na unidade básica de saúde, de uma maneira organizada e eficaz.  Aproximadamente um terço da demanda da unidade básica de saúde está ligada à questões da saúde mental, com um componente psicossocial significativo.  Todos os exemplos listados abaixo são situações rotineiras na atenção primária, e que demandam uma abordagem relacionada ao cuidado em saúde mental:

  • Exame do estado mental
  • Pacientes com risco para transtornos mentais
  • Transtornos mentais comuns
  • Transtornos mentais graves
  • Alcoolismos e uso de outras substâncias
  • Risco de suicídio
  • Problemas do sono
  • Demências
  • Problemas da infância e da adolescência, faixa etária de grande vulnerabilidade para o desenvolvimento de problemas psicossociais
  • Problemas comuns na família que são geradores de ansiedade e alterações do humor

 

Uma das formas de articulação entre a saúde mental e a atenção primária é a promoção de uma formação continua junto dos profissionais da rede básica, criando um cuidado compartilhado entre equipes de saúde da família e equipes de saúde mental. Isso pode se dar por reuniões periódicas entre as equipes e a partir daí a elaboração de projetos terapêuticos comuns. Do ponto de vista da supervisão no cuidado em saúde mental, podem-se realizar consultas conjuntas entre profissionais especializados em saúde mental e os profissionais da atenção básica, na própria unidade ou como visitas domiciliares. A rede de atenção básica se articula com a rede de saúde mental e a atenção básica deve regular o acesso a elementos de maior complexidade da rede de saúde mental nos casos onde isso é necessário, o que pode ser feito com auxílio de equipes matriciais do NASF ou com CAPS. O processo de matriciamento é um modo de produzir saúde unindo as duas equipes num processo compartilhado de criação de saber e propostas de intervenção terapêuticas, indo além do encaminhamento ou do atendimento individual pelo profissional de saúde mental, e que pode contar com dispostivos existentes na comunidade local, como associações de moradores, igrejas e projetos sociais locais. Dessa forma busca-se um cuidado integral, que visa a ressocialização do paciente e sua inclusão social, além de ser uma medida de combate ao estigma que cerca os portadores de transtornos mentais.

A saúde mental e a atenção primária são campos que convergem em um objeto comum e  o que está em jogo em ambos é a superação das limitações da visão dualista do homem, a construção de um novo modelo dinâmico, complexo e não reducionista e a orientação para novas formas de prática na área de saúde.

 

REFERÊNCIAS

Saraceno, Benedeto; Asioli, Fabrizio; Tognoni, Gianni. Manual de Saúde Mental. São Paulo: Editora HUCITEC, 2001.