Abordagens psicoterápicas para o médico generalista

Originalmente chamada de cura pelo fala, a psicoterapia passou a ser utilizada no tratamento das doenças nervosas e mentais no final do século XIX, havendo no período pós-guerra uma grande proliferação de modelos e métodos, amparados em diferentes concepções sobre o adoecimento mental e o funcionamento psíquico.

A variedade de teorias acerca do tema levou a criação de diferentes modelos de assistência com consideraveis diferenças entre eles. A maioria, entretanto, baseava-se amplamente no uso de termos empregados na medicina, tais como doença, paciente, etiologia e tratamento. A partir da década de 1950, sobretudo devido aos questionamentos do psicólogo inglês Eysenck, as psicoterapias passaram a ser debatidas quando a sua eficácia. Eysenck questionava se os efeitos das psicoterapias não se deviam simplesmente a passagem do tempo, não sendo devido às técnicas utilizadas. Na mesma época, Carl Rogers afirmava que os efeitos das terapias não eram devido às técnicas específicas de cada modelo, e decorria apenas de fatores intrínsecos à relação humana, o que se estabelecia em qualquer terapia.

A partir da década de 1960 começaram a surgir pesquisas de grande porte, amparadas na medicina baseada em evidências, para buscar comprovações da efetividade das diferentes modalidades de terapia, existindo na atualidade um consenso de que as terapias são efetivas. Junto desses, novos protocolos e manuais foram propostos, permitindo maior padronização de técnias e reprodução de pesquisas. Tais instrumentos possibilitaram diagnósticos mais precisos e homogêneos, bem como indicações de qual a modalidade psicoterápica mais adequada para dada situação.

Entende-se atualmente que a efetividade das terapias depende de um grande conjunto de fatores, que abrangem as técnicas específicas utilizadas, mas também fatores inespecíficos e comuns a todas as psicoterapias, tais como a pessoa do terapeuta, sua empatia e interesse genuíno, a aliança terapêutica estabelecida com o paciente e ainda fatores do próprio paciente, como sua capacidade de vincular-se ao terapeuta, suas expectativas, sua motivação para efetuar mudanças, seu nível educacional e sua cultura.

 

O que é a psicoterapia?

A psicoterapia é um método de tratamento onde um profissional treinado, utilizando meios psicológicos, sobretudo a comunicação verbal e a relação terapêutica, realiza intervenções com o intuito de auxiliar um cliente ou paciente a modificar problemas de natureza emocional, cognitiva e comportamental. A psicoterapia distingue-se de outras modalidades de tratamento por ser necessariamente uma atividade colaborativa entre paciente e terapeuta, e não existindo como uma ação de natureza unilateral.

As diferentes modalidades de psicoterapia distinguem-se quando aos seus objetivos e fundamentos teóricos, divergindo nas explicações que oferecem e na maneira que proporcionam a mudança almejada aos seus pacientes, a frequência de sessões, o tempo de duração e as condições pessoais que cada método exige do paciente. Os objetivos variam desde ao auxílio a situações de dificuldades momentâneas às formas complexas de tratamento que se propõem a modificar aspectos da personalidade do paciente. A seguir são descritos as modalidades psicoterápicas mais comuns, seus fundamentos teóricos e indicações.

 

PSICANÁLISE E PSICOTERAPIAS BASEADAS NA TEORIA PSICANÁLITICA

A psicanálise tem como objetivo a investigação e compreensão do inconsciente. A psicanálise teve seu início nas experiências de Breuer e Freud, que observaram o desaparecimento de sintomas conversivos em pacientes hipnotizados. Eles propuseram como explicação que a repressão de determiandos impulsos pela consciência era a causa dos sintomas, e que o fato de trazer esses impulsos à tona, fazendo com que eles deixem de ser reprimidos e se tornem conscientes, fazia com que sua natureza patológica deixasse de existir. Freud desenvolveu outros métodos para acessar os conteúdos mentais do inconsciente, a livre associação, a interpretação de sonhos e a análise de transferência, utilizados até hoje com essa finalidade.

Na psicanálise, o analista adota uma atitude neutra, e o paciente é orientado a expressar livremente seus pensamentos, sentimentos, fantasias, sonhos ou imagens, bem como as associações que lhe ocorrem, sem pensar a respeito do que significam. Esse é o processo da livre associação. O terapeuta assume o papel de ouviente, e ocasionalmente pode interromper as associações para ressaltar determinados fatos, emoções ou fantasias relacionados à pessoa do terapeuta, fenômeno denominado como transferência. Com isso cria-se uma situação de regressão e uma relação transferencial por parte do paciente, que passa a deslocar para o terapeuta pensamentos e sentimentos originariamente voltados às pessoas de seu passado. Essa neurose transferencial é uma representação no presente de experiências passadas, e atráves de sua análise é possível que o paciente desenvolva um insight sobre tais padrões emocionais primitivos e desadaptados de relações interpessoais, compreendendo sobre traços de sua personalidade que possam ser fonte de sintomas patológicos, e livrando-se deles. Dessa forma a interpretação repetitiva, junto da observação atenta e da confrontação ao trazer a tona esses conflitos, o paciente irá elaborá-los, isto é, adquirir uma nova compreensão sobre eles, de maior domínio e livre de associações emocionais prejudiciais.

A psicanálise é indicada no tratamento de problemas crônicos, originados de dificuldades ocorridas na infância e nas relações com os pais. É utilizada sobretudo quando a pessoa apresenta traços ou transtornos de personalidade que causem prejuízo social e funcional ou para tratar atrasos em tarefas evolutivas, como por exemplo a consolidação de identidade própria, independência e autonomia. Dessa forma a psicanálise modifica a estrutura do caráter e modifica características desadaptativas. A psicanálise é realizada habitualmente em várias sessões semanais, de três até cinco sessões, com duração de aproximadamente 45 minutos, e o tratamento pode durar de meses à anos.

 

PSICOTERAPIA DE ORIENTAÇÃO ANALÍTICA

Nesta modalidade de psicoterapia as associações livres são menos utilizadas, e o terapeuta intervem mais no discurso do paciente, dirigindo a análise para os temas mais relevantes na terapia. Dessa forma o paciente é estimulado a esclarecer seus sentimentos, ideias e atitudes, elaborando-as e desenvolvendo um maior insight sobre elas. Na psicoterapia de orientação analítica as interpretações transferenciais são menos frequentes do que na psicanálise, e um uso maior de esclarecimento, sugestão e técnicas comportamentais são usadas. As indicações da psicoterapia de orientação analítica são semelhantes às da psicanálise, sendo mais indicada para problemas mais focais ou conflitos delimitados.

Tanto a psicanálise quanto a terapia de orientação analítica requerem do paciente um ego preservado, uma postura colaborativa e uma capacidade de realizar um trabalho introspectivo. Não são recomendadas, portanto, em transtornos que cursem com alteração importante do ego, como nas psicoses e transtornos graves de personalidade, nos que apresentam comprometimento cognitivo ou naqueles pacientes incapazes de criar vínculo com o terapeuta. Essas formas de psicoterapia também não devem ser usadas para problemas agudos, que podem ser mais bem abordados com outras técnicas de psicoterapia, ou em problemas que demandem um amparo psicológico urgente, já que as mudanças e efeitos dessas terapias podem demorar meses para se tornarem evidentes.

 

TERAPIA COMPORTAMENTAL

A terapia comportamental baseia-se em teorias que explicam o surgimento e a manutenção de sintomas a partir de processos de aprendizagem. Dentre estes processos destacam-se o condicionamento clássico, o condicionamento operante, a aprendizagem social e a habituação.

O condicionamento clássico, proposto por Pavlov, afirma que um determinado estímulo neutro, ao se relacionar a um estímulo que provoque uma resposta incondicionada, terá a capacidade de produzir essa mesma resposta. Por exemplo, um rato que recebe comida (estímulo que provoca como resposta incondicionada a salivação do rato) após o tocar de uma sineta (estímulo neutro) irá eventualmente salivar apenas pelo ato de ouvir a sineta tocar. Esse fenômeno é usado para explicar o surgimento de sintomas como as reações de medo a estímulos neutros nas fobias ou a fissura em drogaditos, entre outros.

O condicionamento operante, proposto por Skinner, postula que os efeitos de um comportamento determinam o aumento ou a diminuição de sua frequência. Como exemplo tem-se a esquiva fóbica, o ato de evitar uma situação que provoque medo, ao aliviar a ansiedade causada pela situação de medo, faz com que o hábito da esquiva seja adotado sistematicamente.

A aprendizagem social discorre são os comportamentos e aprendizados que decorrem da observação de outros indivíduos, e a habituação é um fenômeno que ocorre naturalmente na grande maioria dos seres vivos de adaptação ao meio que o cerca, o que faz com que estímulos inicialmente intensos de ansiedade e desconforto diminuam com o passar do tempo no indivíduo que permanece em contato com o estímulo que as provoca. O fenômeno de habituação, bem como a exposição, são estratégias fundamentais da terapia comportamental para o tratamento dos transtornos mentais.

A terapia comportamental demanda do paciente uma boa capacidade de tolerar aumentos da ansiedade e o desconfoto que decorrem do ato de se expor a situações estressoras, bem como uma aliança de trabalho com o terapeuta, que o estimule a realizar essas tarefas. É indicada, sobretudo, no tratamento de transtornos onde a ansiedade desempenha um papel fundamental, como transtorno de ansiedade generalizada, síndrome do pânico, fobia social, transtorno obsessivo-compulsivo, fobias específicas, transtornos e compulsões alimentares, disfunções sexuais, sobretudo a ejaculação precoce e o vaginismo, deficiências de controle esfincteriano e transtornos de impulsos, como comprar compulsivo, jogo patológico e tricotilomania.

 

TERAPIA COGNITIVA

Foi proposta inicialmente por Aaron T. Beck, na década de 1960, para tratamento da depressão. Beck observou que os pacientes deprimidos apresentavam uma visão negativa sobre si mesmos, o mundo à sua volta e o seu futuro, e sugeriu que essa visão negativa era a causa dos sintomas depressivos, propondo uma terapia para mudar essa visão. Atualmente a terapia cognitiva foi extendida para o tratamento de outros transtonos mentais, mas seu foco permanece o mesmo, o de alterar a atividade mental consciente ou pré-consciente, como pensamentos automáticos e crenças subjacentes. A frase atribuída ao filósofo estóico Epictetus: “os homens se perturbam não pelas coisas, mas pela visão que têm delas” expressa a ideia central do modelo cognitivo de que a interpretação das pessoas sobre suas experiências determina como elas se sentem e se comportam.

Os sintomas dos pacientes seriam então devido aos erros na interpretação da realidade, que ocorrem sob a forma de pensamentos disfuncionais e distorcidos, e cabe ao terapeuta auxiliar o paciente a identificar tais erros e corrigi-los por meio do exame atento da realidade e da geração de pensamentos alternativos. Dentre os pensamentos disfuncionais destacam-se: a inferência arbitrária, ou seja, concluir algo a partir da realidade que é diferente da conclusão esperada para esse fato; O filtro mental, conclusões tomadas em apenas uma pequena dimensão da realidade, ignorando as demais; A magnificação ou minimação, avaliando de maneira distorcida a importância relativa de eventos, atributos pessoais ou possibilidades futuras; A personalização, o ato de relacionar eventos externos como diretamente direcionados à sua pessoa; O pensamento catastrófico, em prever sempre o pior desfecho possível, ignorando outras possibilidades; E o pensamento dicotômico, classificando as pessoas e eventos em categorias rígidas de bem ou mal, tudo ou nada.

A terapia cognitiva é indicada sobretudo nos transtornos depressivos, ansiosos, alimentares e somatoformes, como a hipocondria e o transtorno dismórfico corporal.

Embora tenham surgido como terapias distintas, há uma tendência atual em integrar as terapias comportamental e cognitiva sob o termo terapia cognitivo-comportamental, decorrente da tentativa de englobar o comportamento junto dos processos cognitivos subjacentes à eles numa modalidade unificada de terapia. Nesse texto, por razões didáticas, optou-se por falar das teorias em separado.

 

PSICOTERAPIA DE GRUPO

Inicialmente a psicoterpia de grupo surgiu da necessidade de realizar atendimento psicoterápico à um número maior de pessoas na escassez de recursos para fazê-lo individualmente. O primeiro grupo que se têm notícia foi realizado por Pratt, em 1922, com portadores de tuberculose. A partir da Segunda Guerra Mundial, com o aumento avassalador de pacientes com demandas em saúde mental, as psicoterapias em grupo ganharam maior força. Atualmente é muito bem estabelecido que além da relação custo/benefício, as terapias em grupo apresentam fatores terapêuticos próprios, não encontrados na terapia individual, os chamados fatores grupais. Dentre eles estão a capacidade de instilar esperaça, já que observar a melhora em pessoas com problemas semelhantes aumenta a crença na melhora individual e na capacidade de superar adversidades; A universalidade do problema, diminuindo a sensação de isolamento, vergonha e estigma associado à muitas condições de transtornos mentais ou outras doenças; Estímulo ao altruísmo, ao criar um espaço onde é possível ajudar aos outros; Desenvolver habilidades sociais a partir da convivência em grupo; Aprendizado interpessoal e imitativo a partir da observação de comportamentos saudáveis em outras pessoas; Reconhecer no próximo comportamentos desadaptativos semelhantes, facilitando o entendimento e reconhecimento destes em si próprio; E o sentimento de pertencer a um grupo.

 

CORDIOLI, A.V. Psicoterapias: abordagens atuais. Porto Alegre: Artmed, 2008. Cap 1.

CASTANET, H.; ROUVIERE, Y. Compreender Freud. Belo Horizonte: Ed. Scriptum, 2013.