Reação à hospitalização

A doença é uma lembrança da nossa finitude. Comumente, esquecemo-nos dessa característica tão trivial e humana, que é o fim do corpo físico. Vivemos como se sua nunca fôssemos morrer. Vivemos como se esquecêssemos de que temos um corpo, que carece de atenção e é frágil perante a inevitável fatalidade do tempo e desgaste. Assim, a doença aparece como uma lembrança de que temos um corpo fadado a morrer um dia.

Nesse sentido, a pessoa em adoecimento se vê, diante de si mesma, o debate dessas questões tão intensamente filosóficas e espirituais. Logo, aquele sujeito, antes viril e independente, encontra-se à mercê do próprio corpo e do tempo, com limitações que causam profundas transformações em seu íntimo. Esse debate depende também de diversos fatores, tais como a personalidade do indivíduo, história pessoal de vida, crenças, estado emocional, apoio social, tempo e outros mais.

Outro ponto a ressaltar refere-se à quebra de uma linha de continuidade da vida, das programações e compromissos diários que fazemos. Estas sofrem interferência, querendo ou não, da nova rotina que a doença instaura na nova vida do indivíduo ao passar a modificar as relações pessoal, interpessoal e de mundo. Assim, as preocupações mais imediatas giram em todo do estado físico e da passagem de horas.

Segundo Gala Bressi, a enfermidade transforma o homem de sujeito de intenções em sujeito de atenção. Dessa forma, a entrada em um hospital e a submissão aos procedimentos médicos conduz o paciente hospitalizado a desenvolvimento de estresse psicológico, em que Strein, 1978, postula em categorias, a saber:

  1. Ameaça básica à integridade narcísica: nesse momento, as fantasias de onipotência e imortalidade, controle sobre o destino e imagem de um corpo indestrutível são abaladas. Portanto, podem surgir fantasias catastróficas de pânico, auto-extermínio e impotência.
  2. Ansiedade de separação: tanto de pessoas, objetos, ambiente e estilo de vida.
  3. Medo de estranhos: ao adentrar no hospital, o paciente põe sua vida e seu corpo nas mãos de pessoas desconhecidas.
  4. Culpa e medo de retaliação: crenças de que a doença é um castigo divino, fantasias de destruição e perda de uma parte do corpo enferma que o “traiu”.
  5. Medo da perda do controle: receio a respeito das perdas de funções básicas do desenvolvimento, como falar, controlar os esfíncteres, andar, entre outros.
  6. Perda de amor e de aprovação: sentimentos de autodesvalorização, sobrecarga financeira, divergências familiares, entre outros.
  7. Medo da perda ou danos a partes do corpo: mutilações, cicatrizes, perda de funções, lutos similares a perda de um ente querido.
  8. Medo da morte e da dor.

Assim, observa-se as mesmas fases do LUTO NORMAL ocorrendo nesse processo, em que com o tempo e passado o impacto do choque inicial, a pessoa começa a retomar a esperança e comando da vida.

Em outros casos, infelizmente, há processos similares ao LUTO PATOLÓGICO, em que, em alguns casos, o paciente prolonga o próprio sofrimento por se identificar com o objeto perdido, complicando o processo de luto normal. A doença, assim, é uma marca da impotência como uma ferida que não cicatriza. Outros podem agir de forma exasperada com seus cuidadores, por não abrirem mão da posição de comando, ao exigir cuidados extremos e supercontrolados.

 

REAÇÕES DE AJUSTAMENTO

As reações de ajustamento são um grupo de transtornos frequentes em pacientes internados em hospitais. Elas são subdivididas, pelo CID-10, em termos de duração e sintomas dominantes. As características mais marcantes são uma junção de preocupações excessivas, ansiedade, depressão e insônia.

A ansiedade surge inicialmente, quando não se tem uma certeza diagnóstica e prognóstica, já os sintomas depressivos aparecem posteriormente e com um quadro mais arrastado. Geralmente, os sintomas são transitórios com melhora com apoio psicológico e boas relações sociais, com encerramento juntamente com a melhora clínica e alta hospitalar. A avaliação psiquiátrica é aconselhável em casos de sintomatologia mais graves e prolongados ou nos quadros de dificuldade de manejo dos pacientes. Em alguns casos, os sintomas podem persistir mesmo após a alta, principalmente os de natureza depressiva, que podem evoluir para episódio depressivo. Estes demandam tratamento específico.

 

MECANISMOS DE ADAPTAÇÃO

MECANISMOS DE DEFESA

Segundo Freud, o ego teme algo da “natureza de uma destruição ou extinção”. Assim, ocorre atitude defensiva de resistência dos pacientes contra representações inconciliáveis.

  1. Negação:

A pessoa age como se não estivesse sob ameaça. Isso é utilizado para evitar sofrimento, medo e desespero. Por um lado, o indivíduo pode abandonar o tratamento, desacreditá-lo, agir com indiferença ou atenuá-lo. Por vezes, há também atitudes passivas, em que a pessoa aceita sem questionar os procedimentos médicos.

A “racionalização” também é mecanismo de defesa do tipo negação e isolamento de sentimentos penosos. Assim, o paciente costuma estar interessado em aspectos técnicos do diagnóstico e tratamento. A “banalização” também constitui defesa ao negar conflitos e sentimentos ao lhe dar uma importância mínima, como, por exemplo, não tocar inteiramente no assunto, rodeá-lo, ou abordá-lo em tom de brincadeira.

Vale salientar que esses mecanismos de defesa são muito importantes para a pessoa e precisam ser respeitados, pois significam a impossibilidade, no momento atuante, de suportar a carga emocional gerada pela doença. Assim, o médico, juntamente com a equipe de saúde, precisa estar ciente disso e há de respeitar o tempo interno do paciente e não o forçar a encarar as “verdades” (Spitz, 1997). Agir dessa forma é imprudência e atitude violenta para com a psique do indivíduo.

As dúvidas, portanto, de “revelar ou não o diagnóstico?” “quando?” “como falar?” são respondidas a partir da escuta atenta do paciente, antes de qualquer tomada de decisão, com atenção redobrada à sua linguagem verbal e não-verbal.

Outro episódio é quando o médico e os familiares decidem não comunicar algo penoso ao paciente. Esse mecanismo falha quando o paciente começa a se comportar de forma instável afetivamente, com crises de choro, irritabilidade, insônia, entre outros. Nesse momento, a pessoa dá sinais de que precisa se abrir com alguém para falar sobre o assunto.

 

  1. Regressão:

O ambiente de internação, juntamente com o impacto da doença na psique, favorece o mecanismo de “regressão”. Nesse sentido, o paciente recebe cuidados básicos de higiene, alimentação, medicação, entre outros, que desencadeiam no próprio paciente funcionamentos relacionados às etapas mais precoces do desenvolvimento humano. Assim, ele pode regredir até para fases não verbais e não motoras.

É importante salientar que esse mecanismo não é anormal em situação grave e aguda, em que o paciente se coloca nas mãos da equipe de saúde e aos seus cuidados, porém, quando o cuidado se prolonga, no decorrer do tratamento, a regressão aumenta de forma desnecessária a permanência no leito.

Assim, a regressão alicerça quando a família e equipe tratam o paciente como criança. Essa atitude passa ao paciente o olhar de que ele é mero incapaz. A postura oposta, de super incentivar a independência e autonomia do paciente, todavia, é, da mesma forma, inadequada à situação. Portanto, é preciso tratar a pessoa enferma com delicadeza, porém sem infantilizá-la.

  1. Deslocamento

Em alguns casos, o paciente pode DESLOCAR o próprio sentimento de raiva contra um familiar ou contra algum membro da equipe médica, culpá-los pela doença ou por algum episódio vivido, para que assim possa descarregar os sentimentos de angústia e revolta desencadeadas pela doença.

Felizmente, esse sentimento, geralmente, é passageiro, limitando-se ao primeiro momento de impacto com o diagnóstico ou prognóstico. Assim, à medida que for aceitando a condição, o paciente poderá se sentir triste, além de buscar compreender e aceitar a doença.

 

  1. Estresse

Vale salientar que o estresse a longo prazo afeta o sistema imunológico, assim, compromete as defesas naturais contra infecções e demais doenças. Nesse sentido, há muitos mecanismos e cadeias desconhecidas em que há a interação entre as respostas psicológicas e as alterações fisiológicas. Logo, há de se desenvolver estratégias para minimizar os efeitos do estresse, tanto em tratamentos individuais quanto coletivos.

Outro ponto em que se deve atentar é para a imagem que o paciente faz da situação em que está vivendo, desde o conceito da doença ao entendimento do tratamento, tanto nos aspectos concretos e pessoais. Nessa perspectiva, quando o paciente possui uma ideia mais pavorosa da doença e de suas consequências, suas atividades sociais sofrem negativamente com isso. Portanto, ideias falsas ou distorcidas devem ser desfeitas.

Nessa linha de raciocínio, os laços sociais são importantíssimos para a redução da mortalidade, redução do estresse e, consequentemente, aumento de bem-estar e da saúde como um todo do paciente.

 

O DOENTE CRÔNICO

A adesão ao tratamento, em relação às doenças crônicas, possui 3 pontos principais:

  • Noção de doença que o paciente tem;
  • Ideia de cura ou de melhora que se forma em sua mente;
  • Lugar do médico no imaginário do doente.

A família e o doente, em certos casos, podem não aceitar as limitações impostas por certas doenças crônicas, considerando-o como uma vítima inocente ou um peso.

A relação médico-paciente, no contexto da doença crônica, será um exercício de paciência e perseverança, pois esta relação pode ser abalada em diversos momentos do tratamento, a depender do caso específico da doença crônica. Outro ponto é ressaltar é que provavelmente este paciente já tenha passado por diversos outros médicos, e o novo médico, assim, pode ser encarado como “mais um de sua lista de fracassos”. Logo, é importante se ater ao modo como este paciente se relacionou com seus médicos anteriores, além de identificar quais sentimentos ele desperta, tais como frustração, tédio, raiva e outros. Além disso, é mais prudente abordar assuntos pessoais e psicológicos à medida que o vínculo se estabelece e se torna mais forte.

 

O DOENTE TERMINAL

O paciente terminal, de alguma forma, sabe, por meio da intuição, do que está acontecendo. Dessa forma, ele pode reagir, ficando em silêncio, ou apresentando alterações de humor e comportamento. A calma só será restaurada quando alguém passar a ouvi-lo, com conversa simples e franca sobre a doença e seus sentimentos. Assim, a decisão sobre “ qual momento revelar o mau prognóstico ” fica mais fácil de ser respondida.

Vale lembrar que distúrbios cognitivos e afetivos podem estar associados a distúrbios metabólicos, infecções sistêmicas e cerebrais, medicamentos, quimioterápicos, radioterapia, metástases cerebrais, síndromes paraneoplásicas e outros. Além disso, condições que geram imenso desconforto também devem ser avaliadas, tais como dor, insônia, náuseas, vômitos e dispneia.

Sobre esta experiência de morte, ressalta-se que esta foi passando de um mito coletivo para um fenômeno individual. (Áries, 1977). Logo, nos tempos atuais, com a supremacia da ciência biomédica ocidental, morrer tornou-se mais técnico e solitário. Dessa maneira, as reações da pessoa que está diante da morte iminente dependem de vários fatores, dentre eles, a maneira como ela vivenciou sua vida, condições físicas, apoio social e familiar. “Não é a morte, e sim o morrer que se teme, com o medo da dor, do desfiguramento, da mutilação, da falta de ar, além do isolamento e do abandono”.

 

REFERÊNCIA: Capítulo 3: reação à doença e à hospitalização. BOTEGA, N.J. Prática psiquiátrica no hospital geral: interconsulta e emergência. 2ª Edição. Editora Artmed. 2006