Envelhecimento e Saúde Mental: desafios do envelhecimento e a conquista da sabedoria

     Com a melhoria da qualidade de vida, fruto do alto desenvolvimento da ciências e medicina, a longevidade tornou-se realidade no ambiente social, nos dias atuais.  O envelhecimento, por sua vez, antes visto como sinônimo de decrepitude e doença, passou a ser valorizado e melhor compreendido. Nesse sentido, a velhice está sendo considerada como um período da vida humana marcado por ganhos e perdas físicas, cognitivas e existenciais. Porém, há muito ainda a ser estudado e repensado na atualidade sobre este tema.
     A velhice é marcada pelo fechamento do ciclo vital com tarefas desenvolvimentais e desafios próprios. Dessa forma, é importante o estudo das fases do desenvolvimento como um todo para uma maior compreensão da total dimensão da velhice. Assim, neste presente texto, vamos aprofundar no Modelo Epigenético do Ciclo de Vida de Erik Erikson e Joan Erikson. Segue abaixo, tabela com as oitos etapas desse desenvolvimento, segundo estes autores.
     Como evidenciado, cada etapa do desenvolvimento é marcada por um componente sintônico e um distônico. A dinâmica de equilíbrio entre estes dois opostos leva à aquisição de uma virtude ou força psicossocial. Entretanto, é importante lembrar que, segundo Erikson, a resolução da crise não significa que o componente sintônico prevaleceu sobre o distônico, mas que ambos foram vivenciados de tal forma que ocorreu o predomínio dos aspectos positivos, com consequente alcance da virtude correspondente.
     Erikson et al, nesse sentido, é muito interessante de se estudar, pois, para eles, o ego continua a se desenvolver por toda a vida. Além disso, há a percepção do sujeito como mutável e capaz de retomar a crises anteriores que não foram resolvidas em dado momento da vida. Portanto, a formação do ego se dá por meio de sucessivas “reatualizações” após cada crise, assim, consequentemente, o sujeito gera novas formas de estabilidade emocional e de relações interpessoais.
 
SÉTIMA FASE
 
 
     O componente sintônico “Geratividade” da Sétima Fase auxilia o idoso a se sentir vivo e encontrar satisfação nesse momento da vida. Nesse sentido, a participação na vida dos filhos e dos netos, assim como a oportunidade de poder ensinar algo para as próximas gerações, aumenta a energia vital do idoso.
     Com isso, as atividades diárias são de extrema importância para o envolvimento vital do idoso necessário para enfrentar o fim da vida. Vale acrescentar que pesquisas recentes apontam que os idosos da atualidade não se contentam com pequenas atividades cotidianas. Segundo Kamkhagi, esta é uma fase de plena atividade em que o indivíduo se mantém física e mentalmente ativo, dentro de suas possibilidades. Assim, como em alguns casos, o sujeito continua trabalhando, mesmo aposentado, e investindo em atividades que lhe permitam usufruir da vida. Assim, além de buscar novas atividades laborativas, o idoso pode investir em atividades físicas e de lazer que contribuem para o fortalecimento das relações sociais e melhoria da saúde física e mental.
 
OITAVA FASE
    Nesse contexto, Erikson desenvolve sua teoria sob a premissa de que cada etapa contribui para a consolidação da “integridade do ego”. Dessa forma, o elemento sintônico “integridade do ego”, mais proeminente na oitava etapa, abarca esforços em manter o equilíbrio entre plenitude e coerência pessoal com o “desespero” perante a finitude e a proximidade da morte, juntamente com a aceitação e adaptação às vitórias e derrotas do passado.
     Esse desespero, por sua vez, será tão pior quanto maior for a sua carga de arrependimentos de oportunidades perdidas, pois há um sentimento de que o tempo agora é curto demais para recomeçar e tentar outros caminhos. Dessa maneira, a virtude a ser adquirida, “sabedoria”, fruto da resolução da crise da oitava etapa, corresponde à capacidade em equilibrar a coerência e a plenitude pessoais com o desespero perante a finitude e a proximidade da morte, além de aceitar falhas e omissões do passado.
     Assim, a velhice, segundo Erikson, abarca a expectativa do fim da vida e uma busca pela integração das virtudes conquistadas no percurso do desenvolvimento – “esperança”, “força de vontade”, “propósito”, “competência”, “fidelidade”, “amor” e “cuidado” – de forma a cultivar um senso abrangente de “sabedoria”. Dessa forma, há necessidade de reelaboração das virtudes adquiridas e maior investimento emocional nas relações interpessoais, ambientais e sociais no momento presente para que a “integridade do ego” seja vivenciada e a “sabedoria”, enfim, alcançada.
 
NONA FASE
     Em progresso aos estudos da personalidade na velhice, em 1998, foi acrescentado o nono estágio, em que Joan Erikson descreve a possibilidade de conquista da “gerotranscendência” como força psicossocial após os 85 anos de idade. Porém, a crise da nona etapa, como descrita por J. Erikson, não recebeu distinção clara entre a distonia e a sintonia. Todavia, as características mais marcantes dessa fase são: necessidade de voltar-se para si e refletir sobre a vida e necessidade do apoio e auxílio do ambiente social do idoso.
     Nesse momento, após os 85 anos, apesar de todos os esforços do indivíduo em manter a força vital e o controle sobre a própria vida, o corpo continua a perder, gradativamente, sua autonomia. O elemento distônico “desespero”, pertencente à fase anterior, está ainda mais presente na nona etapa por causa da imprevisibilidade e das perdas nas habilidades físicas. Por consequência, a autoestima e a segurança adquiridas durante toda a vida podem se enfraquecer.
     Todavia, o idoso que tiver superado as crises anteriores e estiver inserido em um contexto psicossocial saudável e acolhedor, sentirá menos “desespero”. Assim, com a boa resolução desses aspectos, o idoso provavelmente trilhará o caminho que leva à “gerotranscendência”.
 
GEROTRANSCENDÊNCIA
 
     Esta “gerotranscendência”, segundo J. Erikson, envolve uma nova compreensão das questões existenciais fundamentais, separadas em três níveis.
      O primeiro é o da dimensão cósmica da vida, com ressignificações de tempo e espaço, aumento na sensação de conexão com as gerações anteriores, nova compreensão sobre a vida e a morte, aceitação da dimensão misteriosa da vida e júbilo com diversos eventos e experiências.
     O segundo nível é sobre a mudança de alguns aspectos do self a partir da busca pelo autoconhecimento e autenticidade, diminuição do egocentrismo, diminuição da obsessão pelo corpo, aumento do altruísmo, redescoberta da criança interior e “integridade do ego” com a totalidade da vida. Além disso, esses embates com o próprio self geram uma compreensão reconfortante do que foi e é a vida e da dificuldade em definir, de forma absoluta, o que é certo e errado. Assim, o idoso passa a evitar julgamentos e o oferecimento de conselhos.
     Já o terceiro nível envolve mudanças nos relacionamentos sociais e individuais do idoso. Nesse momento, a pessoa tende a se tornar mais seletiva e menos interessada em relacionamentos superficiais, demonstrando aumento na necessidade de ficar só.          Dessa maneira, segundo Tornstam, o isolamento por curtos períodos de tempo, assim como a diminuição de atividades sociais podem ser compreendidos como necessidades do indivíduo em estar mais em contato consigo mesmo e de elaboração da vida e da própria morte.
 
RESOLUÇÃO DA NONA FASE
 
    Assim, a resolução da crise da nona fase está relacionada à capacidade do idoso em transcender as limitações corporais próprias da velhice. Dessa maneira, ele tem oportunidade de experimentar uma compreensão mais universal da vida e focalizar nos aspectos iminentes da própria morte – “gerotranscendência”. Logo, o idoso com essa virtude conquistada reformula a própria visão de mundo, tornando esta mais cósmica e transcendente.  Assim, isso traz satisfação e uma perspectiva mais contemplativa de si e das pessoas que fizeram parte de sua vida.
 
O IDOSO E A SOCIEDADE
 
   Durante a velhice, o ambiente social é indispensável para auxiliar a pessoa idosa a superar os elementos distônicos. Infelizmente, nos momentos atuais de nossa sociedade, vivemos em um ambiente em que o idoso é mais visto como um descarte ou incômodo do que um ser pertencente e importante para a memória, construção, consolidação e manutenção da teia social. 
  Assim, observa-se que a nossa civilização não conseguiu, realmente, ancorar um conceito de totalidade da vida. Consequentemente, à medida que a sociedade não consegue valorizar o idoso proporcionando-lhe um ambiente saudável e motivador, a velhice se torna ainda mais difícil para ele e para os demais membros da comunidade.
     Todavia, é necessário estar de ouvidos atentos ao que a pessoa idosa tem para contar para que sua vida tenha sentido. Esse ato é possível quando se valoriza a vida como um todo, do início ao fim. Alcançar um envolvimento vital para usufruir os anos finais da vida com satisfação envolverá, portanto, a presença de fatores tanto pessoais quanto sociais.
 
O LUTO DE SI MESMO
 
     Além de Erikson, Bianchi é um outro ótimo autor para se estudar o enfrentamento das perdas inerentes ao processo envelhecimento. Segundo este autor, o envelhecimento implica um conjunto de renúncias narcísicas que se opõem aos desejos infantis: ser-tudo, ser-por-todo-o-tempo, ser investido sem obrigação de reciprocidade e dispor do objeto amado. Dessa forma, a velhice desenvolve no ser um trabalho de aceitação da realidade que pode vir a dar lugar a um sentimento de castração do sujeito no próprio ser, porque não é o outro que se vai perder, mas a si mesmo. Portanto, o trabalho do luto do eu e do corpo constitui-se em uma problemática narcísico-depressiva.
     Bianchi afirma também que para preservar a vitalidade psíquica e manter a própria subjetividade, é necessário que o ego mantenha sua capacidade de investir em algum objeto “fora do eu”, para que se evite reconhecer na morte uma castração radical. Assim, em um luto bem-sucedido, há um deslocamento da libido, que passa a vincular-se a objetos mais duradouros que o ego. Esses objetos mais duradouros, por sua vez, podem ser a prole, obras, instituições, voluntariados, crenças espirituais, entre outros. Dessa forma, isso expressa a maturação psíquica e a superação do narcisismo.
 
 
A VIUVEZ
 
     O conflito entre “intimidade” e “isolamento” retoma, de forma substantiva, com a perda do cônjuge ou de amigos íntimos de longa data. Assim, a viuvez na velhice pode gerar enfraquecimento dos laços sociais, já que o idoso viúvo se vê sem sua maior companhia, perdendo a sua grande fonte de companheirismo quando o cônjuge se vai. Dessa forma, encontrar um suporte emocional e social é importantíssimo para que o “isolamento” e a “autoabsorção” não se intensifiquem.
     Segundo o estudioso Jerusalinsky, em muitos casos, perder o parceiro é como perder parte de si mesmo, já que ele fez parte da própria história e foi testemunha das conquistas e das realizações. Nesse sentido, isso evoca a ideia iminente da própria morte cuja consequência é agravamento do medo desta. Além disso, conquistas de novas amizades, vivências de novas experiências sociais, entre outras, tornam-se dificultadas e dolorosas.
     Por outro lado, quando o casamento for baseado em uma relação abusiva, geradora de sofrimento e renúncia, mais do que felicidade, companheirismo e realização; a viuvez torna-se uma libertação e, consequentemente, investimento em si mesma. 
 
O IDOSO E SEU CUIDADOR
 
      Algumas situações no decorrer da vida - como doenças, ferimentos, crescimento da criança, desenvolvimento da puberdade e, inclusive, velhice - evocam sentimentos conflitantes sobre si mesmo e sobre a própria capacidade física, comportamental e psíquica. As novas condições impostas pela velhice, por sua vez, ferem os aspectos narcísicos do sujeito, gerando sentimentos de humilhação, negação, onipotência, raiva, hostilidade, entre outros. 
    Além disso, no processo de envelhecimento, o idoso não só se depara com suas próprias limitações físicas quanto se vê pressionado pelas demandas externas, as expectativas e os estereótipos sociais. Nesse sentido, ele luta para manter a própria independência e a autonomia em relação às transformações que a idade avançada lhe impõe. Isso ocorre até mesmo para atender a essas expectativas da sociedade, para que, assim, o pesado estigma do idoso visto como abominável e desprezível não lhe caia sobre seu manto.
     Assim, para o idoso, vê-se a depender de um cuidador pode ser vivenciado como a perda da capacidade de cuidar de si. Logo, isso suscita fortes sentimentos de desamparo, menos-valia e vergonha por não mais se ter pleno domínio sobre o próprio corpo. Por isso, mesmo que o idoso tenha a necessidade de outras pessoas para a realização de atividades diárias; manter e respeitar, ao máximo, a sua liberdade e autonomia é importantíssimo para melhorar a qualidade de vida da pessoa idosa.
 
A IMPORTÂNCIA DOS GRUPOS DE CONVIVÊNCIA
 
     A participação e o envolvimento social contribuem para que o idoso experimente maior autoestima, satisfação com a vida e diminuição de sintomas depressivos. Assim, é importante ao idoso ampliar o investimento e ações em grupos de convivência. Nesse sentido, Borges e Campos e Coelho defendem que esses grupos podem melhorar a qualidade de vida do idoso, já que permitem a aquisição de novos conhecimentos, além de promover e fortalecer os laços sociais.
    Dessa forma, o relacionamento com iguais tem efeito terapêutico e promove bem-estar de forma a atender também às necessidades afetivas da pessoa idosa. Assim, trabalhos grupais vêm sendo realizados em centros de assistência ao idoso, para promover estimulação cognitiva, suporte afetivo, socialização e convivência entre idosos, além de profissionais de saúde de outras gerações.
     Além disso, há grupos de convivência voltados para um amparo especial aos indivíduos que estão adentrando na velhice, os chamados “idosos-jovens”, para que eles mantenham o senso de “geratividade” e “comunidade”, por meio de atividades que possam lhes proporcionar satisfação. Isso pode contribuir para que o envelhecimento seja construído de forma mais satisfatória.
 
PSICOTERAPIA NA VELHICE
       Segundo a psicanalista Segal (1982), a experiência psicoterapêutica no idoso pode modificar seus pontos de vista a respeito da própria vivência em idade avançada. Nesse sentido, estas autoanálises, proporcionadas pela psicoterapia, capacitam o indivíduo a elaborar a posição depressiva, a reestabelecer objetos internos bons e a se defrontar com a velhice e com a morte de modo mais amadurecido.
     Dessa maneira, o acompanhamento psicoterapêutico na velhice é de grande valia. Nessa perspectiva, os resultados obtidos podem ser a superação de sintomas depressivos e de crises não resolvidas anteriormente, na aceitação da passagem do tempo sobre o corpo e o psiquismo, além do enfrentamento das perdas decorrentes deste processo de envelhecimento.
 
 
REFERÊNCIAS:
  1. Ribeiro de Lima PM, Coelho VLD, Günther IA. Envolvimento Vital: um desafio para a velhice. Geriatria & Gerontologia. 2011; 5(4):261-8.
  2. Miriam Altman. O envelhecimento à luz da psicanálise. Jornal de Psicanálise 44 (80), 193-206. São Paulo – 2011.