Semiologia Psiquiátrica

PSICOPATOLOGIA E SEMIOLOGIA PSIQUIÁTRICA

Zuardi AW, Loureiro SR. Semiologia psiquiátrica. Med Rib Preto, 29: 44-53, jan./mar. 1996.

Dalgalarrondo P. Psicopatologia e Semiologia dos transtornos mentais. 2007. 2ªed. Artes Médicas. Caps. 1 ao 8

 

Vamos estudar a semiologia psiquiátrica, porém antes vamos aprender algumas ideias importantes sobre a psicopatologia!

 

Psicopatologia: conjunto de conhecimentos referentes ao adoecimento mental do ser humano.

O psicopatólogo não julga moralmente o seu objeto, busca apenas observar, identificar e compreender os diversos elementos da doença mental.

Porém, não se pode compreender ou explicar tudo o que existe em um homem por meio de conceitos psicopatológicos. Ao se fazer uma análise psicopatológica de alguém, isso nunca explicará totalmente sua vida e sua obra. Sempre resta algo que transcende à psicopatologia e mesmo à ciência.

Quando estudamos os sintomas psicopatológicos, enfocamos em: na forma dos sintomas (alucinação, delírio, idéia obsessiva, labilidade afetiva, etc.), e no seu conteúdo (de culpa, religioso, de perseguição, etc.).

 

A normalidade e a doença em psicopatologia envolvem várias áreas da saúde mental, como: psiquiatria forense, epidemiologia, psiquiatria cultural, planejamento em saúde mental e políticas de saúde, a prática clínica em si.

Os critérios de normalidade e de doença em psicopatologia variam consideravelmente em função dos fenômenos específicos com os quais se trabalha e, também, de acordo com as opções filosóficas do profissional. Podem-se usar vários critérios de normalidade ou doença, alguns deles são: a normalidade como a ausência de doença, ou a normalidade como um ideal (utópica), a normalidade como bem-estar, ou de acordo com as estatísticas, entre outras.

 

Existem algumas correntes da Psicopatologia:

  • Psicopatologia descritiva x psicopatologia dinâmica:
    • Descritiva: importante a estrutura dos sintomas, a vivência patológica como sintoma
    • Dinâmica: importante o conteúdo da vivência, os sentimentos do indivíduo, sua experiência subjetiva e pessoal

 

    • Psicopatologia médica x psicopatologia existencial
    • Perspectiva médico-naturalista: homem centrada no corpo, no biológico; o adoecer mental é uma disfunção do cérebro
    • Perspectiva existencial: doente em sua existência singular; não apenas biológico mas histórico e humano; a doença mental é vista como uma forma trágica de ser no mundo, um modo doloroso de ser com os outros

 

    • Psicopatologia comportamental-cognitivista x psicopatologia psicanalítica
    • Visão comportamental-cognitivista: os sintomas resultam de comportamentos e representações cognitivas disfuncionais, aprendidas e reforçadas pela experiência sociofamiliar.
    • Visão psicanalítica: os sintomas e síndromes mentais são considerados formas de expressão de conflitos, predominantemente inconscientes, de desejos que não podem ser realizados.

 

    • Psicopatologia categorial x psicopatologia dimensional
    • Categorial: transtornos mentais são individualizados com limites bem definidos, que lhes classificam em categorias
    • Dimensional: um transtorno mental poderiam ter diversas dimensões, com diversas formas de apresentação (Ex: Depressões graves (estupor, psicótica) / Depressão bipolar / Depressões moderadas / Distimia / Personalidade depressiva / Depressão subclínica.)

 

    • Psicopatologia biológica x psicopatologia sociocultural
    • Psicopatologia biológica: transtorno mental é alteração de mecanismo neural e determinadas áreas e circuitos cerebrais.
    • Perspectiva sociocultural: transtornos como comportamentos desviantes a partir de certos fatores socioculturais, como discriminação, pobreza, estresse.

 

    • Psicopatologia operacionalpragmática x psicopatologia fundamental
    • Visão operacional-pragmática: definições dos transtornos mentais e seus sintomas são formulados para pesquisa ou clínica, como nas classificações do DSM-V ou CID-10.
    • Psicopatologia fundamental: doença mental como pathos (sofrimento, paixão e passividade).
    • No processo diagnóstico psicopatológico, há uma relação permanente entre o particular, individual (aquele paciente específico), e o geral (categoria diagnóstica à qual essa pessoa pertence). Os diagnósticos são ideias fundamentais para o trabalho científico, para o conhecimento do mundo, mas não objetos reais e concretos.

Tanto na natureza como na esfera humana, podem-se distinguir três grupos de fenômenos em relação à possibilidade de classificação:

1. Aspectos e fenômenos encontrados em todos os seres humanos (privação de sono --> sonolência, de alimentos --> fome).

2. Aspectos e fenômenos encontrados em algumas pessoas, mas não em todas (sinais, sintomas e transtornos mentais).

3. Aspectos e fenômenos encontrados em apenas um ser humano em particular (muito restritos, importante o diagnóstico como algo mais do que só rotular o paciente).

 

    • O diagnóstico psicopatológico:
    • é quase sempre baseado preponderantemente nos dados clínicos;
    • não é, de modo geral, baseado em possíveis mecanismos etiológicos supostos pelo entrevistador (baseia nos sinais e sintomas do paciente);
    • não existem sinais ou sintomas psicopatológicos totalmente específicos de determinado transtorno mental;
    • é apenas possível com a observação do curso da doença;
    • deve ser sempre pluridimensional;
    • deve ter confiabilidade e validade.

 

SEMIOLOGIA PSIQUIÁTRICA

Semiologia psicopatológica: estudo dos sinais e sintomas dos transtornos mentais.

  • A entrevista juntamente com a observação cuidadosa do paciente é o principal instrumento de conhecimento da psicopatologia. A avaliação psiquiátrica como um todo inclui anamnese, exame psíquico (exame do estado mental), exame físico geral e neurológico e exames complementares (testes de personalidade e cognição, exames laboratoriais, neuroimagem).
  • Na anamnese, o entrevistador se interessa tanto pelos sintomas objetivos como pela vivência subjetiva do paciente em relação àqueles sintomas; pela cronologia dos fenômenos e pelos dados pessoais e familiares. Além disso, o entrevistador permanece atento às reações do paciente ao fazer os seus relatos.
  • Dados da história clínica psiquiátrica e do Exame do Estado Mental: obtidos pela entrevista psiquiátrica à estão sujeitos a variáveis: entrevistador, entrevistado (paciente, informante), interação entre ambos e ambiente

Entrevistador

Crenças, valores, sensibilidade, estado emocional, como uma pergunta é formulada, o tom de voz utilizado, olhar, gesto

Paciente

Motivação em relação ao exame, busca espontânea ou não, postura e atitudes

Relação médico-paciente

Sentimentos como simpatia ou antipatia (médico: interage de forma a usar seus conhecimentos para entender o outro; e paciente: espera obter ajuda revelar-se e refletir sobre si)

Ambiente

Local, duração, disposição espacial, privacidade

Transferência: atitudes e sentimentos cuja origem é basicamente inconsciente para o paciente. Inclui tanto sentimentos positivos quanto negativos. Esses sentimentos são uma repetição inconsciente do passado: o médico ocupa o lugar do pai/mãe. Os pacientes desenvolvem com o médico relações emocionais, que não se baseiam na situação real (prova de que não superaram a dependência infantil).

Contratransferência: a transferência que o profissional estabelece com seus pacientes. Da mesma forma que o paciente, o profissional de saúde projeta inconscientemente, no paciente, sentimentos que nutria no passado por pessoas significativas.

  • As entrevistas habituais geralmente são semi-estruturadas, e o entrevistador busca obter dados para preencher uma história clínica e um exame das funções mentais, seguindo um roteiro. Um exemplo de roteiro:

 

EXAME DO ESTADO MENTAL:

    • APRESENTAÇÃO GERAL: Impressão geral da aparência física, atitude e conduta do paciente.
  1. Aparência: quanto à idade, à saúde, modo de vestir, cuidados pessoais, expressão facial;
  2. Psicomotricidade: velocidade e mobilidade geral na marcha, sentado e nos gestos, agitação (hiperatividade) ou retardo (hipoatividade), a presença de tremores, de acatisia, estereotipias, maneirismos (movimentos involuntários estereotipados), tiques (movimentos involuntários e espasmódicos);
  3. Situação de entrevista: descreve como ocorre a entrevista de acordo com o local, presença de outros participantes e intercorrências. Se houve cooperação, oposição, indiferença, etc.

 

    • LINGUAGEM E PENSAMENTO:
  1. Características da fala: espontânea, ocorre em resposta à estimulação, mutismo, volume, defeitos de verbalização (afasia, disartria, gagueir;
  2. Progressão da fala: linguagem quantitativamente diminuída, fluxo lento (longas pausas) ou acelerado, prolixidade
  3. Forma do pensamento: circunstancialidade (muitos detalhes irrelevantes e tediosos), tangencialidade (objetivo da fala não é atingido, introduz pensamentos não relacionados ao assunto, pobreza de conteúdo do pensamento), perseveração (repete mesma resposta), fuga de ideias (pensamento acelerado com associações inapropriadas entre os pensamentos), pensamento incoerente (perda de lógica, afrouxamento de associação de partes das frases, sequencia incompreensível – salada de palavras), bloqueio de pensamento (interrupção súbita da fala), neologismos (cria novas palavras), ecolalia (repete palavras).
  4. Capacidade de abstração: incapacidade de abstração é o pensamento concreto (paciente entende tudo “ao pé da letra”, como provérbios).
  5. Conteúdo do pensamento: Tema/característica predominante: ansiosos, depressivos, fóbicos, obsessivos; Logicidade do pensamento: ideias supervalorizadas, delírios.
 

 

Delírios

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

    •  
    •  
    • SENSO-PERCEPÇÃO: despersonalização: como se partes do corpo não lhe pertencessem; desrealização: ambiente parece estranho ou irreal; ilusão: interpretação alterada de um estimulo real; alucinação: percepção sensorial de um estímulo que não existe (auditivas, visuais, táteis, olfatórias, gustativas).
    • AFETIVIDADE E HUMOR:
  1. Tonalidade emocional: presença e intensidade de: ansiedade, pânico, tristeza, depressão, apatia, hostilidade, raiva, euforia;
  2. Modulação: controle do afeto: hipomodulação (rigidez afetiva), hipermodulação (labilidade afetiva);
  3. Associação do conteúdo do pensamento/afeto;
  4. Equivalentes orgânicos (alterações de peso, apetite, sono, libido).
  • ATENÇÃO E CONCENTRAÇÃO: dizer dias da semana e os meses do ano em uma dada ordem, fazer cálculos simples. Manutenção prejudicada: dificuldade de manter a atenção, exigindo intervenções do entrevistador. Focalização prejudicada: dificuldade de focalizar a atenção, não respondendo às intervenções do entrevistador. Desatenção seletiva: frente a temas que causam ansiedade.
  • MEMÓRIA: recorda de situações da vida pregressa, onde estudou, primeiro emprego, pessoas significativas, pode-se fazer testes específicos. Confabulação: preenche lacunas com falsas memórias.
  • ORIENTAÇÃO: Autopsíquica: próprio nome, idade. Alopsíquica: orientação no tempo e espaço.
  • CONSCIÊNCIA: Nível de consciência: Alerta à Sonolência à Obnubilação à Estupor à Coma

Delirium: diminuição no nível de vigília, acompanhado de alterações cognitivas (desorientação, déficits de memória) ou perceptuais (ilusões e alucinações).

 

  • CAPACIDADE INTELECTUAL: Nível de desempenho intelectual com base na escolaridade e nível sócio-cultural, observar vocabulário, propriedade e nível de complexidade, e a capacidade de articular conceitos, de abstrair e generalizar.
  • JUÍZO CRÍTICO DA REALIDADE: verificar se as ações do paciente são determinadas por uma avaliação coerente da realidade; alterações quando decisões do paciente são determinadas por delírios ou alucinações.